Somos um movimento de cidadania em defesa do Tejo denominado "Movimento Pelo Tejo" (abreviadamente proTEJO) que congrega todos os cidadãos e organizações da bacia do TEJO em Portugal, trocando experiências e informação, para que se consolidem e amplifiquem as distintas actuações de organização e mobilização social.

sábado, 19 de dezembro de 2009

PELA RIBEIRA DE SANTA CATARINA

No domínio das cheias urbanas fui recentemente contactado pela Associação de Moradores do Casal Sentista, Fontainhas e Covões, do Entroncamento, que me convidou para conhecer o levantamento que já realizaram sobre os problemas da ribeira de Santa Catarina, entre os quais as cheias e a poluição, motivo pelo qual a apelidam de “ribeira de Santa Catarina - A mal amada”.
As causas das cheias na ribeira estão claramente identificadas:
1º. O encanamento da ribeira ao longo de todo o seu percurso urbano;
2º. A existência de pontos baixos que se encontram em nível inferior ao do nível máximo das águas da ribeira;
3º. A quase total impermeabilização dos solos que canaliza a totalidade das águas pluviais directamente para a ribeira.
Nesta ribeira observam-se também factores que podem causar ou aumentar o risco e o impacto das cheias rápidas ("flash floods"):
a) O acréscimo de caudal causado pela forte presença de esgotos domésticos em toda a ribeira e, em particular, no seu percurso urbano; este foco de poluição constitui, um perigo para a saúde pública, em especial nas zonas em que a ribeira corre a céu aberto, bem como em quaisquer zonas inundadas pelo refluxo das águas;
b) Os estrangulamentos e obstáculos ao curso normal da ribeira criados pela pressão urbanística, designadamente, a passagem inferior do caminho-de-ferro que corta uma secção da ribeira, chegando a existir construções edificadas sobre a ribeira.
A estas maleitas acresce o facto de ter sido construído um desvio artificial, ao que tudo indica, com recurso a máquinas de arrasto, da foz da ribeira para montante do seu curso natural, que segundo consta terá sido desviado para rega.
As acções de melhoria das condições da ribeira deverão transcender a preservação ambiental, com obras de saneamento que actuem sobre a poluição, e a redução do risco de cheia, com obras de hidráulica, dando relevo ao objectivo de valorização do património associado à ribeira de Santa Catarina, tal como:
1º O aproveitamento da beleza da sua vegetação e seu enquadramento paisagístico para espaço de lazer, que se encontra previsto no PDM do Entroncamento:
"No parque urbano a sul prevêem-se somente pequenas acções de modelação do terreno, execução de caminhos, criação de um espelho de água a jusante da zona coberta da ribeira de Santa Catarina e a instalação do equipamento urbano de apoio, fora do domínio público hídrico, incluindo quiosques com qualidade estética e que se harmonizem na paisagem, não sendo permitida a impermeabilização fora das áreas das fundações";
2º A requalificação ambiental da foz da ribeira que permitiria a valorização do palácio da Quinta da Cardiga e da sua envolvente, integrando:
- duas pontes perfeitamente conservadas com parte de uma comporta de contenção de cheias do Tejo;
- um dique longitudinal evitava que o transbordar da ribeira, provocado pelas cheias do Tejo, inundasse os campos que a ladeavam;
- um aqueduto que recebia água bombeada da ribeira que a inércia conduzia aos usos a que estava destinada, e;
- um belo poço com nora que, além do abastecimento para a rega e consumo humano, ainda cumpria as funções de gaiola de pássaros e de bebedouro para animais.
Como comecei por dizer, é fácil identificar os problemas, o difícil é identificar as razões pelas quais as soluções demoram a concretizar-se no terreno, visto que se encontram no domínio de várias entidades, ARH Tejo para aprovação do canal de nivelamento proposto, Águas do Centro visto estar em causa o próprio saneamento, e a CM do Entroncamento, entidades que devem promover uma eficaz coordenação entre si a favor da promoção do bem-estar dos cidadãos afectados.
Em jeito de alerta importa referir que a construção deste canal resolve o problema da cheia no centro da cidade do Entroncamento, mas aumenta o risco de cheia na Ribeira da Ponte da Pedra no concelho de Vila Nova da Barquinha, bem como o aumento da carga poluídora, já acentuada, sobre esta última ribeira, devendo ser considerados os efeitos colaterais destas novas estruturas.
Para terminar, quero referir que apesar da sua penosidade, face ao excessivo maltrato desta ribeira, esta visita revelou-se uma experiência enriquecedora para o conhecimento da sua beleza paisagística, bem como das estruturas hidráulicas ali presentes, que representam um património histórico de grande valor.

Acerca disto ainda a minha crónica no Jornal "A Barca" Crónica “Cá Por Causas” - Por Rios e Ribeiras , a notícia no Jornal "O Mirante", "As inundações do Entroncamento são um tormento para o casal Azevedo", ambas de 17 de Dezembro de 2009, e no Jornal Público, de 18 de Janeiro de 1995, que transcrevo abaixo.
"Chuva traz má notícia para o casal Azevedo"
"Novo Inverno, novo inferno"
Manuel Fernandes Vicente

No Entroncamento, para Manuel Azevedo, engenheiro da CP, e Maria Helena Simões, professora de Educação Física, sempre que começa um novo Inverno acaba a tranquilidade. A sua casa, numa zona baixa da cidade, é ameaçada de inundação quando chove um pouco mais -- e já aconteceu terem de vir de pijama para a rua desentupir sarjetas.
Toda a gente -- por curiosidade, interesse, previsão ou programação do seu dia-a-dia -- gosta de prestar alguma atenção ao boletim meteorológico, mas Maria Helena e Manuel Azevedo, um casal que vive no Entroncamento, a poucos metros do edifício da Câmara local, ouvem-no com particular atenção porque, quando chove um pouco mais na cidade, o rés-de-chão da sua casa é inundado e a noite é muitas vezes passada a transportar máquinas, móveis e outros bens para o primeiro andar, onde permanecerão até que a «maré volte a esvaziar».
Sempre que um novo Inverno se aproxima, o espectro de uma possível inundação regressa. «Inundações, de facto, já houve duas, há cinco ou seis anos, mas os sustos são constantes», disse ao PÚBLICO Maria Helena Simões, admitindo que nos últimos anos só não tem tido «inundações em casa porque a chuva não tem sido muita».
«No meio de tudo isto até tivemos muita sorte, há alguns anos atrás, quando choveu muito. Tínhamos dois carpinteiros em casa, em trabalhos de restauração, que fizeram um murete em frente à porta. Mesmo assim ainda entrou alguma água, que provocou cheiros muito desagradáveis dentro de casa», refere Helena Simões, sublinhando que, da segunda vez, «a água da chuva chegou até à altura de 25 centímetros, misturou-se com as águas da sanita e da banheira, e o aspirador e as máquinas que tinha instalado foram para conserto, para além das carpetes, completamente estragadas».
A origem do problema, segundo afirma Helena Simões, está nas «sarjetas entupidas e danificadas, que nem sequer se encontram à distância regulamentar», e no facto de «as águas domésticas estarem ligadas às águas pluviais, como provam os maus cheiros que temos em casa sempre que há inundações».
A habitação do casal é numa zona baixa do centro da cidade, para onde escorrem as águas das chuvas que as sarjetas deviam escoar para a ribeira subterrânea de Santa Catarina. Mas, denuncia Helena Simões, «a limpeza da ribeira não é feita pela Câmara do Entroncamento», o que provoca o seu entupimento com «objectos diversos, como lixo e sacos de plástico, que ficam no meio da rua por não caberem nos contentores existentes, que se enchem rapidamente com os resíduos de um supermercado». E recorda episódios diversos em que ela e o marido, em pijama, tiveram de ir à noite para a rua limpar as sarjetas, quando mais uma inundação estava iminente.
«Há noites em que temos de ficar sempre acordados e há épocas do ano em que não nos podemos afastar de casa, porque vivemos com o receio de a ver inundada», refere Helena Simões, queixando-se da pouca receptividade da Câmara Municipal do Entroncamento (CME) aos múltiplos e reiterados pedidos de resolução do caso. «Teria de se fazer umas saídas ao longo da ribeira e modificar a rede de esgotos», afirma, sublinhando que a autarquia não considera o caso prioritário, apesar de afectar também alguns vizinhos.
Frigoríficos na ribeira
José Pereira da Cunha, presidente da CME, reconhece que a «solução é difícil, há pouco pessoal e a autarquia atravessa algumas dificuldades», mas admite que as inundações são provocadas também «por falta de civismo de alguns munícipes», uma vez que «foram encontrados na ribeira de Santa Catarina caixas, pneus, manilhas e, até, um frigorifico». Em declarações ao PÚBLICO, o autarca considera que o escoamento das águas é «uma limitação própria da cidade», agravada pelo crescimento populacional, mas confirma que «a limpeza da ribeira é feita com regularidade». E acrescenta que, «em condições normais, o problema irá ser resolvido a curto prazo, com uma nova conduta de água, mais larga do que a actual».
«O facto é que há um troço de estrada na zona que vai ser alargado e asfaltado e que condiciona as obras de instalação de um nova conduta para ligar as águas à ribeira, que deverão ser feitas na mesma altura», diz José Cunha.
Mais cépticos, no entanto, estão Helena Simões e Manuel Azevedo, pois pensam que, por não ser obra para a CME, as suas noites de vigília ainda vão ter continuação por mais alguns invernos.

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